Wootton Bassett faleceu esta manhã
- Lineage Bloodstock
- 23 de set.
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O mundo amanheceu com uma notícia devastadora para o turfe e a criação mundial: a morte de Wootton Bassett (Ifraaj), garanhão símbolo da Coolmore. Com apenas 17 anos, o filho de Ifraaj (Zafonic) faleceu em 23 de setembro, enquanto cumpria a temporada de monta na Coolmore Austrália. Segundo o comunicado oficial, durante um dia de rotina sofreu um episódio de engasgo (choke) que evoluiu para uma pneumonia aguda e, apesar da atenção de uma equipe veterinária liderada pelo doutor Nathan Slovis, não pôde ser salvo. A morte deste reprodutor, líder das estatísticas europeias de garanhões com cerca de £7,6 milhões em prêmios e 23 vencedores clássicos, não apenas interrompe uma história de superação, mas priva a Coolmore de uma carta-mestra para cobrir suas melhores éguas.
Wootton Bassett nasceu em 4 de fevereiro de 2008 na Inglaterra. Foi criado pelo Laundry Cottage Stud Farm a partir da égua Balladonia (Primo Dominie), que havia vencido uma corrida e obtido colocações em várias provas listadas. Balladonia descendia da americana Susquehanna Days (Chief’s Crown), uma linha que remonta à influente Gliding By. O pai de Wootton Bassett é Ifraaj (Zafonic), velocista do time Darley que venceu o Lennox Stakes e o Park Stakes, ambos de G2 sobre 1400m (7 furlongs). Esse cruzamento unia a linha paterna de Mr. Prospector (via Gone West) com sangues de Nureyev e Tom Rolfe, resultando em um potro livre das linhas de Sadler’s Wells e Danehill, genética que compõe a imensa maioria das mães da Coolmore.

A linha materna de Wootton Bassett é a da matriarca norte-americana Key Bridge (Princequillo). Dela não descende apenas o recentemente desaparecido garanhão, mas também: Papineau (Singspiel), vencedor da Ascot Gold Cup em 2004, Silver Patriarch (Saddlers’ Hall), múltiplo ganhador de G1, e Key To Content (Forli).
Essa linha materna também teve impacto na América do Sul quando chegou ao Brasil através de Key To The Edge (Sharpen Up), exportada dos Estados Unidos em 1987 pelo Haras Santa Ana do Rio Grande. Dela descendem os ganhadores de Grupo 1: Janelle Monae (Agnes Gold), tríplice coroada no Rio de Janeiro em 2021, Rizzolini (Roi Normand), vencedor do Derby carioca em 2001, o campeão velocista em 1994 e 1995 Mensageiro Alado (Ghadeer), a campeã velocista de 1993 Clausen Export (Spend A Buck), Uncle Tom (First American). Além do G2W Huber (Acteon Man).
Voltando a Wootton Bassett, em setembro de 2009 foi apresentado na Doncaster St. Leger Yearling Sale, onde o agente Bobby O’Ryan o adquiriu por £46.000, equivalentes a U$S 75.000, para o consórcio de Frank Brady & The Cosmic Cases. Foi enviado ao treinador Richard Fahey em Malton, Yorkshire. Sob a direção de Fahey e com o jóquei Paul Hanagan, Wootton Bassett completou uma campanha impecável como dois-anos: estreou vencendo um maiden em Ayr, Escócia, em junho de 2010 e repetiu em um novice em Doncaster. Posteriormente triunfou em duas ricas corridas para produtos de venda (Premier Yearling Stakes e Weatherbys Insurance £300.000) antes de dar o salto à elite na França. Em 3 de outubro de 2010 encerrou sua campanha invicta de potrillo com uma folgada vitória na prova de velocidade Prix Jean-Luc Lagardère (G1) em Longchamp, Paris. Essa atuação lhe valeu o título de campeão dois-anos da França.
A temporada como três-anos foi mais dura. O potro tentou competir contra os melhores milheiros na Poule d’Essai des Poulains (G1), no Prix du Jockey Club (G1) e em outras provas de destaque na França, mas não passou do quarto lugar e terminou sem vitórias em quatro apresentações. Seus proprietários decidiram retirá-lo para reprodução ao final da campanha de 2011.
Em 2012, com apenas 4 anos, Wootton Bassett foi incorporado ao Haras d’Etreham, na Normandia. Nesta primeira temporada, o valor de seu serviço era de €6.000. Apesar do entusiasmo de alguns criadores franceses, a resposta inicial foi fria, já que na primeira temporada atraiu apenas 47 éguas e na seguinte 29. No entanto, a qualidade de seu primeiro livro compensou a quantidade. Entre os 23 produtos que correram da primeira geração apareceu Almanzor (Wootton Bassett – Darkova), que seria campeão europeu de três anos em 2016 ao vencer o Prix du Jockey Club, o Irish Champion Stakes e o Champion Stakes, todos de Grupo 1. De suas quatro primeiras gerações também surgiram os cavalos de grupo Patascoy (Muhtathir), Wootton (American Post) e Audarya (Wootton Bassett – Green Bananas). Audarya venceu a Breeders’ Cup Filly & Mare Turf em tempo recorde e o Prix Jean Romanet em 2020. Outro filho precoce foi Wooded (Anabaa), vencedor do Prix de l’Abbaye em 2020 e posteriormente garanhão no Haras de Bouquetot.
O sucesso desses primeiros produtos disparou a reputação de Wootton Bassett. Sua taxa subiu para €20.000 em 2017 e depois para €40.000 em 2019, e nesse ano liderou pela primeira vez as estatísticas francesas de garanhões. Criadores de toda a Europa começaram a perceber que o filho de Ifraaj (Zafonic) melhorava suas éguas, como destacou Nicolas de Chambure, gerente de Etreham: “segundo ele, os potros de Wootton Bassett são consistentes, mentalmente fortes e trabalhadores”. Com um pedigree livre das saturadas linhagens de Sadler’s Wells e Danehill, constituía um outcross ideal para éguas dessas linhas.
A ascensão meteórica do garanhão não passou despercebida por John Magnier, Michael Tabor e Derrick Smith, sócios da Coolmore. Em agosto de 2020, a operação irlandesa anunciou a compra de Wootton Bassett em uma transação avaliada em vários milhões de euros, dólares, libras ou qualquer divisa – o valor era surpreendente. David O’Loughlin, diretor de vendas da Coolmore, explicou que o cavalo era “um verdadeiro garanhão clássico” e destacou que seu pedigree, livre das grandes influências europeias, oferecia uma oportunidade única para cruzá-lo com as numerosas filhas de Galileo (Sadler’s Wells). A ideia dos sócios era consolidar uma nova linha de sucesso, complementar aos filhos de Galileo (Sadler’s Wells), Montjeu (Sadler’s Wells) e Danehill (Danzig) que dominavam seus plantéis.
Uma vez em Coolmore Irlanda, Wootton Bassett estreou com uma taxa de €100.000 em 2021. A resposta superou todas as expectativas: seu primeiro livro irlandês registrou 234 éguas, muitas delas campeãs ou mães de ganhadores de G1. Em 2022 sua quota subiu para €150.000 e em 2024 situou-se em €200.000, enquanto para a temporada de 2025 alcançou os €300.000 e cobriu 206 éguas – sem dúvida, pode-se considerar que o grande investimento da Coolmore foi rentável. O garanhão também começou a viajar em “shuttle” para a Coolmore Austrália, onde sua taxa para a temporada do hemisfério sul foi fixada em AU$385.000.
Os resultados desse salto qualitativo não tardaram a aparecer. A primeira geração concebida na Irlanda estreou em 2024 e varreu as corridas de dois-anos. Entre seus 10 ganhadores de grupo – mais do que os registros prévios de Danehill (Danzig) e Galileo (Sadler’s Wells), de onde destacaram-se: Tennessee Stud (Wootton Bassett x Sadler’s Wells), vencedor do Critérium de Saint-Cloud (G1); Twain (Wootton Bassett x Montjeu), vencedor do Critérium International (G1). Outros nomes como Albert Einstein (Wootton Bassett x War Front), a ascendente Beautify (Wootton Bassett x Dansili), Composing (Wootton Bassett x Australia), Constitution River (Wootton Bassett x Le Havre) e Zellie (Wootton Bassett x Nathaniel) venceram provas de grupo e somaram pontos às estatísticas.
Camille Pissarro, filho de Wootton Bassett e Sauterne por Pivotal, vencedor do Prix Jean-Luc Lagardère (G1) e em 2025 do Prix du Jockey Club (G1), e Henri Matisse, também filho de Wootton Bassett e Sparrow por Pivotal, vencedor da Breeders’ Cup Juvenile Turf (G1) e posteriormente da Poule d’Essai des Poulains (G1), destacaram um nick pouco comum. Wootton Bassett produziu esses dois ganhadores de Grupo 1 com muito poucas éguas filhas de Pivotal reproduzidas, uma efetividade impressionante.
Nem se fala das máquinas descendentes de Galileo (Sadler’s Wells), com as quais também fez estragos. Desse nick já surgiram: Al Riffa, Whirl, Expanded Serious Contender, Green Impact, Maranoa Charlie, Island Hoping, Prince Of India, entre outros. Esta geração 2023, ainda dois-anos, já venceu de forma surpreendente e ambiciosa: Puerto Rico, Kansas, Italy e Dorset, todos possuidores do nick Wootton Bassett x Galileo.

Esses resultados catapultaram Wootton Bassett ao topo da estatística europeia, onde liderava com uma margem de mais de €2 milhões sobre o restante. Além disso, seu registro global ascendia a 127 corredores de black-type (15,7% de seus filhos corredores) e 50 vencedores de grupo, dos quais 16 eram de G1. Em 2025, o número de ganhadores clássicos subia a 71, com 16 permanecendo no mais alto nível.
Wootton Bassett também começou a destacar-se como pai de garanhões. Seu filho Almanzor (Wootton Bassett) incorporou-se ao Haras d’Etreham e já produziu a campeã do Prix de Diane Gezora (Almanzor x Silver Hauk); Wooded (Wootton Bassett), no Haras de Bouquetot, é pai de Woodshauna (Wooded), vencedora do Prix Jean Prat. Na Europa também estrearam na reprodução King Of Steel (Wootton Bassett) no Tally-Ho Stud e River Tiber (Wootton Bassett) no Haras de la Huderie. Este leque de garanhões garante que a linha de Wootton Bassett siga viva nas próximas gerações, deixando um forte legado, e sem dúvidas algum craque que apareça nas pistas acabará por substituir seu pai na coudelaria de Coolmore, Fethard, Tipperary, Irlanda.
O pedigree de Wootton Bassett é uma mistura interessante de velocidade e resistência. Seu pai, Ifraaj (Zafonic), descende por sua vez do campeão sprinter Zafonic (Gone West). A mãe Balladonia (Primo Dominie) traz a influência de Dominion (Derring-Do) e da família de Chief’s Crown (Danzig). Essa união coloca Wootton Bassett na linha masculina de Mr. Prospector e lhe dá acesso a sangue de Nureyev e Ahonoora, mas sem os saturados influxos de Sadler’s Wells, Danehill, Green Desert, Montjeu e Dubawi. David O’Loughlin enfatizou que essa característica o tornava um outcross ideal para éguas dessas linhas.
Os estudos da Coolmore mostram que Wootton Bassett funciona bem com uma ampla variedade de mães. De fato, seus 16 primeiros vencedores de grupo provinham de 16 avôs maternos distintos — um índice de versatilidade pouco comum. A análise do banco de dados do garanhão revela certas tendências.
A duplicação da família Goody-Two-Shoes: analisando Pastorale (Nureyev), mãe de Ifraaj, pai e avô materno paterno procedem da família {5-h}. Os especialistas aconselham reforçar essa linha com éguas que tragam Sadler’s Wells, Fairy King ou Nureyev. Ou seja, Wootton Bassett está livre de Sadler’s Wells, mas contém sua linha materna, onde facilmente se pode buscar um possível Rasmussen Factor na repetição da matriarca da família {5-h} Special (Forli).
O reforço de Mr. Prospector na genética da Coolmore e europeia foi chave no sucesso de Wootton Bassett. Em um turfe europeu repleto de linhas paternas provenientes de Northern Dancer, a linha paterna de Wootton Bassett procede de Gone West (Mr. Prospector). O garanhão também responde positivamente a éguas com maiores doses de Mr. Prospector, como demonstra seu filho The Black Album (Wootton Bassett), com inbreeding 3x3 em Zafonic (Gone West).

Wootton Bassett transmite consistência mental e física, declara Nicolas de Chambure, que destacou que seus produtos são “mentalmente fortes, bons trabalhadores e não decepcionam seus treinadores”. Richard Fahey, que o treinou e posteriormente acompanhou a evolução de suas crias, confirma que o garanhão era “um cavalheiro, que ouvia e fazia tudo menos falar”, e que essa docilidade se transfere a seus descendentes.
Graças a essas virtudes, Wootton Bassett tornou-se um upgrader, dizia-se que “melhorava suas éguas” porque produzia vencedores mesmo com mães de calibre modesto, como demonstraram suas primeiras gerações, das quais 23 produtos renderam 15 ganhadores. Seu sucesso mostrou que a qualidade do pedigree e a aptidão mental podem compensar a falta de números.
Embora a morte de Wootton Bassett tenha ocorrido na Austrália, o golpe foi sentido com especial força em Coolmore. A operação já havia anunciado que parte de sua produção irlandesa viajaria anualmente para Ashford Stud, sua filial americana, para ser vendida nos leilões de Keeneland e Fasig-Tipton. A morte do garanhão implica na perda de um forte gerador de receitas e na necessidade de confiar em seus filhos, como King Of Steel ou Camille Pissarro, para perpetuar a linha e cobrir as melhores éguas.
A ascensão de Wootton Bassett, de um potro de £46.000 até alcançar uma taxa de €300.000, é um exemplo inspirador. Uma nova linha paterna na Europa era necessária. Graças a ele, a influência de Mr. Prospector, através de Gone West e Zafonic, recuperou protagonismo no elevage europeu, tradicionalmente dominado por Sadler’s Wells e Danehill, e outras linhas paternas provenientes de Northern Dancer. Wootton Bassett mostrou que um outcross pode produzir campeões e revitalizar a diversidade genética. Ele provou que a qualidade pode surgir de livros reduzidos: sua primeira geração de 23 produtos produziu Almanzor (Wootton Bassett), e em suas primeiras quatro gerações, nenhuma superior a 50 produtos, geraram Audarya, Wooded e Patascoy, líderes de sua geração na Europa, principalmente na França. Este dado encorajou criadores pequenos a confiar em garanhões emergentes.
Sua primeira geração em Coolmore bateu recordes ao produzir 10 ganhadores de grupo entre os dois-anos, superando titãs como Danehill (Danzig) e Galileo (Sadler’s Wells). Este feito abriu a porta para que um garanhão ainda não testado na casa se tornasse líder mundial. O investimento em Wootton Bassett demonstrou que vale a pena apostar em um reprodutor com resultados comprovados, ainda que provenha de um haras “modesto”. Sua compra por vários milhões de euros e a subsequente multiplicação de seu valor validaram a estratégia de Coolmore de diversificar sua oferta e assegurar alternativas ao onipresente Galileo.
A morte prematura de Wootton Bassett (Ifraaj) priva o mundo do elevage de um garanhão excepcional. Criado na Inglaterra e provado na França, demonstrou que origens humildes podem gerar grandeza. Sua campanha invicta como dois-anos e sua vitória no Prix Jean-Luc Lagardère abriram-lhe as portas da reprodução, mas foram sua consistência genética e sua capacidade de melhorar as éguas que o transformaram em um fenômeno. No Haras d’Etreham produziu estrelas como Almanzor, Audarya e Wooded. Já em Coolmore elevou o padrão com uma avalanche de vencedores de grupo, encabeçada por Camille Pissarro, Henri Matisse e Whirl. Seus traços genéticos, com o pedigree de Mr. Prospector, a ausência de Sadler’s Wells e Danehill, a influência de Nureyev e sua linha materna, assim como seu temperamento, foram chaves para o sucesso.
Para Coolmore, ele representava um recurso estratégico inigualável, um garanhão capaz de refrescar o sangue de suas éguas e criar uma nova linha masculina para as próximas décadas. Sua ausência deixa um enorme vazio, mas seu legado perdurará em seus filhos e netos. A história de Wootton Bassett demonstra que o talento pode surgir onde menos se espera e que, na criação, paciência e visão são recompensadas com joias genéticas que transformam o panorama do elevage.

















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